Capítulo 7 - A ira de Emilieva

- Uma grande tragédia detetive! Disse o padre assim que o detetive Sérgio chegou ao local.
- Exatamente, agora quero que me expliquem tudo o que sabem a respeito do ocorrido.
- Pois bem, eu estava passando por aqui, vinha atrás do senhor Martino. Disse Cisnério Hioga. Estávamos numa casa de um amigo, pode-se dizer, e ele bebeu muito. Resolvi vir atrás e quando cheguei aqui me deparei com seu corpo estatelado no chão. Chamei o padre Aleto imediatamente, que ao chegar aqui declarou que o senhor Martino havia sido morto. Encontramos essa enxada ali.
- Realmente, esse senhor foi golpeado na nuca. Mais um assassinato brutal nos arredores. Padre, o senhor viu mais alguém essa noite por aqui?
- Vi sim, o jovem senhor Peter Lori, e a senhorita Sadine De Carli, mas estavam de namorico. Sentados lá em frente da igreja. Mas assim que cheguei Peter foi embora, conversei com Sadine, lhe aconselhei algumas coisas, e a vi indo embora. Depois disso entrei na igreja para descansar, e só saí quando ouvi as batidas do senhor Cisnério.
- Padre, por enquanto eu agradeço sua colaboração. Meus homens estão vindo e farão a remoção do corpo. O senhor pode ir descansar. Quanto ao você, senhor Cisnério, peço que fique aqui comigo um pouco mais.
- Boa noite senhores. Devo levantar cedo amanhã.
- Boa noite padre, responderam os outros dois.

- Senhor Cisnério, creio que o senhor tenha mais alguma coisa a me contar.
- Claro que tenho, não queria mencionar certas coisas na frente do padre. Na realidade estávamos eu e o sr. Martino, na casa da Madame Filipa. Martino bebeu demais, inclusive lá teve um desentendimento com uma das cocotes. A Madame Filipa, teve que pedir para que essa se retira-se, fosse espairecer pelas ruas. Eu fiquei até terminar com a moça que paguei. Depois disso vim embora, sempre atento para ver se encontrava o sr. Martino caído por aí. Encontrei-o morto.
- O senhor lembra qual das meninas se desentendeu com o sr. Martino?
- Lembro-me no rosto. Era a loira.
- Mais uma vez essa moça tem alguma coisa a ver com os crimes, terei de interrogá-la mais uma vez.
- Pois faça isso meu caro. Pobre de meu amigo, ficou desiludido depois que a sr. Malvina o destratou hoje de manhã na frente da igreja, diante de todos que se encontravam ali.
- Fato interessante esse, creio que também deverei conversar com a sr. Malvina.

***

Nhá Cleide havia se superado naquela manhã. Preparara uns croissants recheados de marmelada, que foram elogiados por todos na casa dos Lori.
- Realmente formidável. Creio que quando tivermos nossa casa, Giulian, teremos de roubar Nhá Cleide, da senhora minha sogra, dona Carmela. Falou Charlote.
- Pois isso será difícil. Dúvido muito que Nhá Cleide resolva nos deixar.
- Não deixo minha sinhá não, dona Charlote. Já trabaio aqui fais um tempo. Suncês podim até me chamar veis o otra, mas não deixo essa casa não.
- Pois saiba que lhe chamaremos muito. Estou louca para ter novas amizades aqui nessa cidade. Giulian, o que fará hoje querido?
- Eu vou com meu pai ao outro lado da cidade. Procuraremos uma boa casa.
- No outro lado da cidade há belas mansões minha nora. Falou o senhor Marco. Acharemos uma ideal para terem uma moradia digna assim como, um belo consultório médico.
- Gostaria de ir junto, mas fiquei de visitar a senhora Flaviana. Peter, meu filho, estás tão calado. Que se passa?
- Nada, apenas estou exausto. E feliz, creio que eu lhe acompanhe até a casa dos De Carli, quero ver Sadine.

Foi nesse instante que a campainha tocou. Nhá Cleide correu, esperançosa que fosse o senhor Cisnério, entretanto era o detetive Sérgio.
- Bom dia senhores. Creio que minha visita aqui não seja desejada, pois trago uma notícia terrível. O açougueiro, o senhor Martino, foi encontrado noite passada, morto, atrás da igreja.
Todos se espantaram, e deram exclamações de surpresa e pesar.
- Meu Deus, ontem mesmo eu estive por lá. disse Peter.
- Eu já soube, padre Aleto me contou. Por isso eu gostaria de sua colaboração nas investigações.
- Com certeza, detetive, vamos, me acompanhe até a biblioteca.

Na biblioteca Peter contou tudo o que pode ao detetive.
- Então, eu me encontrei com Sadine. Mas o padre nos interrompeu. Foi aí que disfarcei que fui embora, e esperei na lateral da igreja, até o Padre ir. Porém não consegui reencontrar com Sadine que sumiu imediatamente, assim que o Padre entrou. Foi aí que apareceu uma das putas da casa de Madame Filipa. Era Violeta, conversamos um pouco, e dali partimos ao bordel, onde passei o resto da noite.
- Notou algo de diferente na rapariga?
- Não, digo, ela me pareceu um pouco filosófica, apenas isso.
- Bom, eu vou agora conversar com a srta. Sadine. Preciso apenas que ela confirme o que aconteceu, ou que talvez, ela me aponte um fato novo. Mas tudo leva a crer que essa tal moça, a cocote, esteja envolvida nisso.
- Lastimável. Pois me parece apesar de tudo uma excelente pessoa. Pelo menos para mim ela é muito gentil, entende.
- Entendo. Mas agora vou indo.
- Vamos juntos, eu e minha mãe também vamos até a casa dos De Carli.

- Já não era sem tempo, Charlote! Até que enfim resolveu me visitar. disse a dona Flaviana, ao receber os convidados.
- Bom dia, Peter. Detetive, que lhe trás até aqui?
- Oh, minha cara, o detetive veio trazer uma notícia triste. O tal açougueiro foi encontrado morto. Perto de onde nossos filhos se encontraram.
- A sr. Charlote está certa. Desculpo-me desde já, dona Flaviana, importuná-la, mas preciso conversar com sua filha.
- Sim, detetive, aqui estou. Olá Peter.
- Senhorita, podemos conversar em particular. Será breve, depois estarás livre para fazer companhia a seu amigo.
- Claro.

- Senhorita Sadine. A senhorita confirma que se encontrou com Peter em frente a igreja, noite passada, e que após a chegada do padre Aleto, foi-se embora?
- Sim, foi exatamente isso que aocnteceu.
- E viu alguém mais aos arredores?
- Apenas encontrei meu pai que voltava de San Savino, umas duas quadras depois da igreja em direção a minha casa. Viemos juntos embora.
- E seu pai onde se encontra?
- Voltou para San Savino, ficará lá até o final de semana. As videiras estão na época de poda. Ele terá muito trabalho. Mas no que meu pai poderia ajudar?
- Creio que no momento em nada, mas tudo deve ser levantado. Entenda senhorita, dois crimes bárbaros aconteceram em menos de quinze dias. E nem o primeiro caso ainda foi solucionado.
- Entendo, o senhor terá muito trabalho mesmo.

O detetive Sérgio, naquele mesmo dia foi até a casa da sr. Malvina. Ela contou tudo o que acontecera na frente da igreja na manhã anterior. Demonstrou-se muito surpresa por saber que o sr. Martino havia morrido, mas por outro lado, não demonstrou muito lamento pela morte "do bêbado", como ela se referia.

***

O leiteiro Lucius chegou todo contente na casa da Madame Filipa, naquela noite. Havia ganho um bom dinheiro na corrida de cavalos e parte do prêmio já estava destinada. Passaria a noite com uma moça, coisa que a muito tempo não faria. De imediato ele avistou Emilieva, que retribuiu os seus sorrisos e foi sentar-se com ele.
- Boa noite, senhor. O que lhe trouxe aqui?
- Você. Eu a tenho observado toda vez que passa pela Via di Fiori. Tu és muito bela. Qual sua graça?
- Me chamo Emilie...Emilia. Aceita um vinho?
- Com certeza, aceito uma garrafa inteira. Quero dividí-la contigo, antes de subirmos até seu quarto, onde hoje eu a levarei aos céus.
Emilieva deu uma gargalhada prolongada e disse:
- Vou lhe cobrar isso caríssimo. Espere aqui, eu vou até o porão pegar uma garrafa que eu guardei para um cliente especial como você.
Emilieva atenderia Lucius com muita satisfação. Ficara lisongeada em saber que tinha um admirador.

Num dos quartos acima Emanuelle respondia as perguntas do detetive Sérgio. Apresentava-se um tanto quanto nervosa. Depois de ter sido duramente repreendida por Madame Filipa devido ao seu comportamento na noite anterior, deveria fazer o melhor que podia para se redimir, porém, o detetive atrapalhava seus planos.
- Detetive, não sou uma assassina, se é o que o senhor suspeita. Creio que eu seja sim uma azarada. Não houve para mim um dia feliz desde que cheguei nessa cidade.
- Mas a senhorita entende que é suspeita, pois teve grandes desententimentos com as duas pessoas que foram assassinadas.
- Isso não é verdade. Meu desententimento na casa do senhor Xin Li Ping, foi com a lambisgóia rica. Não discuti com a alemoa velha. E quanto ao senhor Martino, eu apenas aconselhei para que parece de beber, e o senhor deve entender que ele era um chato. Mas eu o encontrei vivo, e bêbado atrás da igreja como lhe falei.
- Entendo, mas ainda investigarei melhor as circunstâncias. Me diga uma coisa, porque veio morar aqui?
- Porque eu tinha uma vida de escrava em Paris. Até as putas querem ser feliz, detetive.
Mas antes da conversa terminar uma gritaria vinha do salão.

***

Emilieva demorou mais do que esperava no porão, porque lá encontrou com Amora, que chorava, pois temia estar grávida. Emilieva a consolou um pouco e quando finalmente subiu ao salão, para atender o seu ilustre cliente, deparou-se com Guilhermina já sentada no colo de Lucius, beijando-o.
Uma ira incontrolável tomou conta de Emilieva que partiu para cima de Guilhermina. Em questão de segundos as duas se embolavam no chão aos tapas e xingamentos:
- Sua invejosa, esse cliente era meu! Agora terás o que merece.
- Tu que és uma tonta, e dissimulada! Volte de onde veio sua ratazana.
Para os clientes aquilo tudo fora um show a parte, que só terminou quando a Madame Filipa, e uma esbaforida Emanuelle, sepraram as duas.
- Era só o que me faltava, que vergonha! Não as mantenho aqui para isso! Lucius meu caro, suba com Brunette, ele será uma ótima companhia para o senhor. E o vinho é por conta da casa. A noite também. Não se preocupe com os gastos.
- Quanto as duas subam já, e me esperem lá em cima. E espero não ouvir uma só palavra até que eu chegue.
- Violeta, você tome conta de tudo por aqui, as outras meninas estão ocupadas. E você tem a chance de redimir-se hoje. Confio em seu trabalho. Logo eu volto. A bebida para todos é por conta da casa.

Madame Filipa ao chegar no andar de cima, em seu quarto, deparou-se com as duas esperando, uma em cada lado.
- Vejam bem, eu não posso permitir que isso volte acontecer. Vocês me envergonham, e hoje me deram um tamanho prejuízo. Para manter a freguesia de hoje, o vinho será todo cortesia da casa. Mas eu não pagarei por isso, quem pagará será você Guilhermina.
- Mas porque eu? Quem me agrediu primeiro foi essa daí!
- Essa daí não, veja lá como fala comigo, você roubou meu cliente.
- Caladas! Você pagará tudo Guilhermina. E não me olhe desse jeito.
- Mas isso é uma tamanha injustiça. A senhora nunca foi injusta assim!
- Não, nunca fui, e nem estou sendo. Mas o que aconteceu lá embaixo me leva a crer que devo ser justa comigo, e com meus clientes, que mantém essa casa. E você pagará esse prejuízo sozinha, porque Emilia não trabalhará mais conosco!
- Como assim? Espantou-se Emilieva.
- Exatamente. A situação me leva a tomar essa atitude. Você é nova ainda aqui, não posso punir Guilhermina dessa forma. Essa noite você arrumará suas coisas, descansará, e quando o sol raiar não quero mais vê-la nesse salão. E eu não voltarei atrás em minha decisão. É minha palavra final.

Emilieva saiu transtornada, aos prantos e foi direto ao seu quarto. Uma triunfante Guilhermina voltou ao salão. Em torno de meia hora depois, Emanuelle foi ao quarto de Emilieva.
- Amiga, não creio nisso. Me diz que Madame Filipa está mentindo. Disse Emanuelle.
- Não! Não está! Tenho que partir amanhã! O meu deus. Que vida! Que vida! Para onde eu irei amiga? O que será de mim?
- Não sei. Eu tento pensar em alguma coisa, mas infelizmente nada me ocorre. Não conheço ninguém que possa lhe levar para outro bordel. Em outra cidade.
- Eu me jogo no rio! Mas mendiga não serei! Eu me jogo no rio antes!
- Não! Nem pense nisso, Emilieva, temos que primeiro pensar num lugar para ficares, até acharmos um novo trabalho para ti. Eu não lhe deixarei passar fome ao menos. Te prometo isso! Tu és como uma irmã para mim. Jamais lhe deixarei na necessidade.
- Isso me conforta muito, mas não diminui meu desespero.
- Eu acabo de ter uma idéia. Tu pode ficar numa casa abandona. Pertencia ao sr. Martino, o chato que morreu, para o alívio do mundo. É uma casa de caça. Ninguém vai lá. Creio que por uns dias lhe servirá até que achamos um lugar para trabalhares.
- Infelizmente é a opção que tenho. Que ódio! Mas que ódio de Guilhermina. Logo quando um admirador vem me ver! Lucius me queria! Ele veio especialmente para ficar comigo. E aquela tirana me rouba!
- Detesto ela também. Mas você prestou atenção no que acabou de me dizer? Lucius é sua salvação!
- Como assim?
- Se ele lhe quer, e é solteiro e só como parece, além de ser bastante apessoado, basta você usar todo o seu poder de sedução e persuasão, e conseguir estadia na casa dele. Será bem mais confortável que na cabana abandonada.
- Ai amiga! Tens toda razão! Acabas de salvar minha vida! Mas te prometo, essa Guilhermina ainda pagará muito caro por tudo.
- Pagará mesmo. Eu mesma me encarregarei disso. Transformarei a vida dela num inferno. Lhe prometo. Mas agora precisamos nos despedir, porque tenho que voltar ao serviço.
- Sim, mas antes Emanuelle, espere. Fique com isso, isso nos uniu e nos trouxe até aqui. Fique contigo.
- Obrigada, isso será muito útil. Guardarei com todo cuidado.

Abraçaram-se e choraram, e Emanuelle desceu de volta ao salão, carregando num de seus dedos, o anel com o compartimento secreto, onde um tempo atrás Emilieva guardou o veneno, que tirou a vida de Robes Pierre.

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