Capítulo 9 - A carta do envelope azul

As margaridas estavam todas floridas no pequeno jardim de um velho casebre ao norte de Paris. Era primavera de 1876. De dentro da casinha ouvia-se os gemidos de uma mulher, e outra que gritava:
- Vamos, Bruna! Força! Faça força! Coloque essa criança no mundo! Gritava Liènne para Bruna, que paria seu bebê com sr. Marco Lori.
Bruna só grunhia, suava, e estava no limite de sua forças.
- Só mais um pouco minha amiga, já estou conseguindo ver a cabecinha do bebê, força! Agora!

E ouviu-se o choro do belíssimo bebê que acabara de nascer. Seus gritinhos se espalharam pela casa e pelo quintal. Rouxinóis pousaram na bétula que existia no jardim. O gorjeio de todos os pássaros ali presentes deram o tom de vitalidade ao lugar.

- É uma menina! É uma menina, Bruna! Paristes uma menina!
- Deixe-me vê-la, Liènne!
Liènne levou a criança rósea e felpuda até sua mãe, que olhou e disse:
- Se chamarás Emanuelle, o mesmo nome de minha mãe! Que tu tenhas um destino melhor que ela, minha filha.

E foi nessa belíssima tarde primaveril parisiense que Emanuelle nasceu. Mas a primavera de seu nascimento, logo tornou-se um inverno constante. Ela mal tinha completado dois meses de vida, e sua mãe desapareceu no mundo. Emanuelle continuou sob os ciudados de Liènne, que a criou como uma filha que nunca teve.

Liènne tinha uma vida muito simples, lavava roupas para grandes senhores e senhoras, e sempre levava a pequena Emanuelle consigo. Emanuelle olhava as mobílias, as cortinas, os quadros das grandes mansões e desejava muito um dia ter aquilo para si. Mas não era o que tinha. Cresceu revoltada com o azar de sua vida, e quando completou dezesseis anos resolveu sair de casa, abandonando Liènne.

Mendigou por um tempo, até um dia encontrar uma jovem russa, que estava em Paris há pouco tempo. Emilieva, logo apresentou Emanuelle para Robes Pierre, e em pouco mais de uma semana Emanulle já trabalhava naquela casa, onde ficou até o dia em que envenenaram o sr. Robes Pierre.

***

Emanuelle acordou com o rosto amassado no balcão do bar. Havia adormecido ali após beber uma garrafa de vinho. No pescoço, carregava o camafeu dado pela Madame Filipa. Já era quase dez horas da manhã, e nenhuma das outras cortesãs havia levantado.

Resolvera então começar logo a limpeza do salão, porque queria passear na beira do Arno durante a tarde. Foi varrendo um canto do salão que ela encontrou um envelope azul, caido no chão. O envelope lhe chamou a atenção por se tratar de algo incomum naquele lugar. Abaixou-se, pegou o envelope, e resolveu ver o que tinha dentro.

Quinze minutos após ter encontrado o envelope, Emanuelle já estava pronta para sair. Foi direto a delegacia onde trabalhava o detetive Sérgio.
- Bom dia senhorita! O que lhe trás aqui?
- Bom dia, detetive Sérgio! O que me trás aqui, é algo que o senhor deve tomar conhecimento, e assim siga outro rumo nas suas investigações, mude seu foco. E talvez assim, eu tenha um pouco de paz.
- Pois diga logo o que me trouxe, caríssima.
- Esse envelope! Achei caído, provavelmente perdido no chão lá do salão. Dentro há uma carta. Uma carta com algum indício para o senhor, e talvez com minha alforria diante de suas suspeitas contra mim!
- Eu posso vê-la?
- Sim, leia!

O detetive Sérgio, abriu o envelope e tirou de dentro uma carta que dizia:

" Frankfurt, 12 de novembro de 1899.

Felipo

Logo estarei aí em sua casa. Estou indo visitar minha amiga Flaviana. Sei que temos muito o que conversar, e talvez um dia tenhamos oportunidade para isso, e lhe contarei dos anos em que estive na América. Mas não creio que nessa minha estada seja a ocasião.
Por isso lhe mando antecipadamente essa carta, para que mantemos a conduta necessária, e não venhamos a criar alguma situação constrangedora.

Atenciosamente

Ingerborg Schwart"

- Realmente, senhorita, essa carta muda muita coisa. Mas antes é preciso verificar a autenticidade dela.
- Pois veja o selo no envelope detetive! Confirma que a tal carta veio de Frankfurt. E a letra que escreveu o remetente é a mesma da carta.
- Sim, são evidências importantes. Suficientes para ao menos eu averiguar melhor isso com o sr. Felipo De Carli. Deixe isso por minha conta. Agradeço sua colaboração!

Emanulle saiu então da delegacia, e fez o que pretendia, foi passear nas margens do Arno. Foi lá que encontrou sentado num banco, atirando migalhas de pão no rio, o sr. Tulio Munari. Aproximou-se e o cumprimentou:
- Boa tarde senhor. Alimentando os peixes?
- Boa tarde. Sim, estou me distraindo aqui. Os peixes são boas companhias. Melhores que as pessoas.
- Então creio que eu não deva lhe importunar.
- Não! Você é uma belíssima companhia. Há tempo tenho vontade de conversar com você. Eu não tenho tempo de frequentar a casa de Madame Filipa, porque meu cassino funciona no mesmo horário, mas eu a vejo às vezes caminhando pelas ruas. E admiro muito sua graciosidade e seu jeito.
- Pois apareça numa tarde lá em nosso bordel. Podemos fazer uma sessão extra. Para um cavalheiro como o senhor, nós criamos exceções.
- Por mim iria agora.
- Pois sabe. Ontem foi meu aniversário. Gostaria de comemorar. Vamos comigo, lhe oferecerei um vinho, e poderemos conversar, até a hora de abrir o salão.
- Desde já, parabéns pelo seu aniversário. E fico muito grato com o convite.

Nenhum dos dois bebeu vinho naquela tarde. Entregaram-se a luxúria. Emanuelle presenteou-se com uma bela tarde de prazer, com um mancebo que ela considerava adequado para o seu gosto.

***
Na mesma tarde o detetive Sérgio foi conversar com o sr. Felipo de Carli. Este, lhe convidou para fumar charutos na varanda enquanto conversavam.
- Senhor Felipo, chegou até mim essa carta, que tudo indica era direcionada ao senhor.
O sr. Felipo, pegou a carta e leu. Então disse:
- Realmente, eu perdi essa carta ontem, lá na casa de Madame Filipa. Antes de mais nada, meu caro detetive Sérgio, peço-lhe discrição. Gostaria de saber quem mais viu essa carta e quem lhe entregou, pois trata-se de algo que só me diz respeito.
- Mas nas devidas circunstâncias, essa carta torna-se um motivo, uma evidência para esclarecer a morte da senhora Ingerborg.
- Vou lhe contar. Como lhe disse na época, na noite em que Ingerborg morreu, eu estava com a cocote, a tal Violeta na casa de caça, que pertencia ao também morto sr. Martino. Saindo de lá, vim direto embora. A carta refere-se a um romance que tive com Ingerborg. Isso foi há muito tempo atrás, antes mesmo de eu conhecer Flaviana. Aliás, foi a própria Ingerborg quem nos apresentou. Porém certo dia, ela partiu para os Estados Unidos. Fiquei sabendo, que chegou lá e foi lá que ela casou-se com o Mr. Smith. Porém ela estava grávida de um filho meu. Ela sempre me negou o direito de conhecer meu filho, alegava que eu havia trocado ela por Flaviana. De certa maneira isso foi verdade. Tudo isso criou um clima muito tenso entre nós. E nunca tivemos a oportunidade de passarmos a limpo essa história.
- O senhor tem certeza que sua mulher nunca soube de nada?
- Tenho. Ao menos, ela nunca demonstrou saber.
- Eu vou considerar isso tudo que o senhor me contou. Mas devo dizer-lhe, que o senhor passa a ser um grande suspeito. O senhor está em maus lençóis.
- Compreendo. Mas lhe dou minha palavra. Não matei Ingerborg.
- Por hoje, nossa conversa fica por aqui sr. Felipo. Lhe aconselho a não se afastar muito da cidade.
- Tenho meus negócios. Posso lhe avisar sempre que sair. Não seria incomodo nenhum.
- Eu agradeço sua colaboração. Até mais ver!
- Até mais, detetive.
***

Quinze dias se passaram, desde que Emanuelle fora até a delegacia, quando ela novamente foi ter com o detetive Sérgio.
- Bom dia, senhorita. O que lhe trás aqui dessa vez?
- Eu preciso lhe informar, talvez o senhor possa saber de alguma coisa. Já se passaram três dias, e uma das raparigas lá da casa de Madame Filipa, não apreceu mais. Trata-se de Guilhermina. Não sei se o senhor lembra-se dela.
- Guilhermina não foi aquela que brigou com outra, por causa do leiteiro Lucius?
- Sim, ela mesma. Bom, estou aqui a pedido de Madame Filipa, que está tuberculosa, e infelizmente mal levanta da cama. Eu particularmente não sinto falta nenhuma de Guilhermina. Nunca fomos amigas. Não gosto dela. E ela sumiu devendo grande quantidade de dinheiro. O prejuízo causado por ela foi enorme.
- Sim, e quando foi a última vez que a viram?
- Bom, foi três dias atrás. Ela saiu para acompanhar o chinês, aquele que tem a botique na Via di Fiori. Ele apareceu no salão e ela lhe serviu. Ele pagou um pouco mais para que ela o acompanha-se, e ela foi. Desde então nunca mais a vimos. Nunca mais voltou. Mas como lhe disse, estou aqui apenas para comunicar seu sumiço. Se o senhor souber de alguma coisa, mande notícias para Madame Filipa. Agora eu vou indo, tenho que encontrar com Tulio. Até mais ver.
- Manterei vocês informadas de qualquer acontecimento. Até mais senhorita. Cuide-se.
- Sei me cuidar bem. Dispenso a preocupação.

Emanuelle saiu da delagacia, e foi ao encontro de Tulio. Ele havia lhe convidado para cavalgarem em uma de suas fazendas, e Emanuelle na tentativa de esquecer o que sentia por Peter, aceitou o convite. E divertiu-se naquela tarde.

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